segunda-feira, 17 de maio de 2010

sobre o dia que você se foi

Deixei minha cabeça escorregar até o lugar onde seu peito deveria estar. Só o pensamento era suficiente, a memória que mantinha minha cama quente, que me fazia sentir o cheiro dos seus cabelos no travesseiro vazio.
Como de costume, não tinha sono. Sentei na beira da cama que era grande demais para dormir sozinha. sentia sua falta, e isso machucava dentro de mim, onde eu estava mais solitária do que nunca. Levantei-me e mais uma vez olhei para trás. Como já era de se esperar, você não estava lá.
Arrastei-me até a cozinha, onde encontrei, largada em uma gaveta ao fundo da geladeira, meia garrafa de uma vodca qualquer, o suficiente para me fazer esquecer da noite, para tentar aquecer meu corpo quase morto. Misturei com um resto de suco de limão e bebi um grade gole, que desceu pela minha garganta me queimando. Sabendo que merecia castigo cruel por ter te deixado ir embora, deixei que a bebida queimasse mais e mais minha garganta que só conseguia proferir seu nome.
Passei pelo corredor de nossa casa (que agora era minha, mas parecia sempre tão sua que eu poderia ver sua sombra passear pelas paredes) em movimentos de uma dança sombria. A embriaguez não deixava eu te esquecer, pelo contrário, só fazia eu me sentir mais vazia e incompleta. Na sala, vi que havia deixado apenas dois discos para mim. Bebi mais um grande gole, uma lágrima fugiu pelos meus lhos cerrados, escorrendo pelo meu rosto, chegando a meus lábios que encaixavam perfeitamente nos seus. Bêbada, ainda consegui operar o toca-discos, onde coloquei o primeiro sem nem olhar o que era.
Não, os discos ali deixados não eram à toa, eram profundas punições que me faziam sofrer ainda mais. Sentia o calor das lágrimas que rolavam enquanto Morrissey cantava que "morrer ao seu lado era um jeito paradisíaco de se morrer". Eu repetia as palavras que ele cantava naquela música que tantas vezes cantamos juntos, mas agora parecia apenas triste.
Terminei de beber o copo e a tontura mal me deixava andar. Com dificuldade, me locomovi mais uma vez até a sala e coloquei o segundo disco para tocar e servir de plano de fundo para meu circo de horrores. Robert Smith cantava, sombrio, enquanto eu corria para a varanda, gritando, te perguntando por que havia me feito aquilo, por que havia deixado aqueles discos, por que havia me deixado.
yesterday i've got so old, it felt like i could die
A varanda parecia diminuir a cada passo que eu dava em direção ao seu fim, ao meu fim. Sem você, ao meu lado, não havia motivo para continuar respirando. Sentia sua presença, me observando. Em passos tortos, ia te desafiando aos poucos, chegando perto do parapeito enquanto o desespero chegava com o vento que batia em meus cabelos. Estava frio, um frio que me cortava, mas que não chegava a doer tanto quanto as batidas surdas do meu coração. Eu suava frio, havia perdido a noção de profundidade por conta da bebida. Fechei os olhos e senti o toque final.
Me jogou para trás com uma força que eu não julgava existente. Te sentia ali, e puxando para dentro de mim mesma, como se quisesse me tirar da embriaguez na qual eu me afundava mais a cada minuto. Jogada no chão, me contorcia ao constatar outra vez que você não estava lá. Nunca esteve, passei a noite sozinha, entre lágrimas e soluços, e você não havia me puxado da morte súbita. Castigo maior era continuar viva, escutando aquela música, sem você. Cantei, pois não havia mas nada para fazer, pois não tinha forças para me jogar daquela varanda.
come back, come back, don't walk away, come back, come back, come back today. come back, come back, why can't you see? come back, come back, come back to me.

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